O Ser Humano só consegue avaliar aquilo que realmente aprendeu quando é posto à prova.

A Segunda Guerra Mundial representou o fim da Segunda e o início da Terceira Revolução Industrial, as quais empurraram a Humanidade para um novo estágio do Homo Sapiens. A aviação é uma dessas inovações, diria mesmo uma conquista, porque o Homem sempre invejou as aves e atribuiu aos céus a morada dos Divinos. Porém, a invenção que mais terá alterado os nossos protótipos foi a internet. A partilha de informação online, permanentemente disponível em quase todo o sítio de forma fácil e gratuita, misturando conhecimento e entretenimento (o Infotainment), mudou uma das mais antigas normas sociais da Humanidade – a relevância dos anciães.
Efetivamente, cada vez mais vemos a inversão do paradigma – “os mais velhos ensinam os mais novos”, sendo que as novas gerações desenvolveram a capacidade de se auto-instruírem online, e agora são “os mais novos que ensinam os mais velhos”.
No entanto, até os mais novos têm de ter cuidado em não ficarem obsoletos, porque o monstro tem a tendência de comer o tratador. Por muito vocacionado/a que se esteja para a info-literacia, qualquer ausência perlongada do keyboard traduz-se em sérias dificuldades na integração sistémica, porque as novas tecnologias rejuvenescem-se a um ritmo alucinante.

Quando tudo falha – o nosso cérebro busca soluções naquilo que fizemos vezes sem conta e não em raciocínios elaborados.
No mundo de hoje, a partilha de informação é essencial em quase tudo, e muito particularmente na aeronáutica. Porém, não devemos confundir informação com conhecimento, nem sabedoria com sapiência. Não basta saber como se faz; é necessário interpretar os acontecimentos e antever as consequências do que se vai fazer.
Saber como funciona um avião, e passar inúmeras horas num simulador, não significa que se esteja apto a sobreviver à primeira aterragem real sozinho. É necessário, exercitar essa manobra várias vezes em ambiente real, antevendo todo o tipo de emergências e dificuldades, partilhando o cockpit da aeronave com um/a instrutor/a de voo. O mesmo se passa com os mecânicos, com os controladores, com os bombeiros e com todas as outras especialidades que formam a Equipa da Força Aérea. Porque voar, é o resultado de um trabalho de equipa.
Na Força Aérea procuramos apostar nas mais recentes tecnologias de informação, e zelamos pelo conhecimento e sapiência dos nossos militares. Fazemo-lo através do estudo académico complementado com execução prática, e pelo conceito de que “a antiguidade é um posto”. Tirar um curso não é o suficiente, é necessário estar qualificado/a, e a qualificação traduz-se na avaliação da execução em ambiente de trabalho real examinada por um/a instrutor/a certificado/a, independentemente dos postos relativos do instruendo/a e do examinador/a.
Executamos, e voltamos a executar vezes sem conta aquilo a que nos propomos saber fazer antes de sermos “largados” pelo/a examinador/a, porque é sabido que em situações de elevado stress, as pessoas não pensam; reagem. Em combate, isso é a regra e não a exceção.
O combate exige total disponibilidade, boa forma fisiológica, perícia e experiência. As duas primeiras exigências são características dos/as mais novos/as, sendo as duas últimas particularmente dominadas pelos/as veteranos/as.
O desafio (talvez seja mesmo – o segredo) está no aproveitamento sinergético da relação intergeracional entre os/as jovens militares, com toda a sua capacidade de absorver novas valências, e os/as veteranos/as com toda a sua experiência crítica.
Os planeadores militares sabem que as guerras se fazem com as mesmas ferramentas com que se produz riqueza. Sempre foi assim, e sempre assim será! As batalhas do Século XXI combatem-se com tecnologia e não com a massificação de batalhões no terreno, como na segunda revolução industrial do Século XX. As novas guerras são híbridas, desenvolvem-se em domínios disruptivos e são extremamente caras. Um caça F-35 custa 80 milhões de euros, gasta 36.000 euros em cada hora de voo e dispara (entre outros) mísseis ar-terra Hellfire cujo o preço unitário são 115.000 euros; um carro de combate moderno custa 14 milhões de euros; e uma fragata bem equipada por chegar aos mil milhões de euros. Uma simples espingarda de assalto moderna custa o dobro de uma G-3, tem sensores eletro-óticos que requerem uma manutenção apurada e exige uma qualificação de operação demorada.
Os militares modernos têm de ter conhecimentos avançados em novas áreas de especialização, e fazer uma gestão economicista das reservas de guerra.
Por seu lado, os veteranos sabem que para se fazer uma análise acerca de uma determinada situação, tem de haver algum afastamento no espaço e no tempo para evitar o “nevoeiro da batalha” porque, como dizia o General Carl Von Clausewitz:
“O nevoeiro da batalha esconde cerca de três quartos da informação necessária para a tomada de decisões apuradas.”
A extensão das novas linhas de confrontação, a velocidade dos acontecimentos, o acesso à informação, a multiplicidade de novos meios de combate e os novos domínios da guerra incrementam cada vez mais nevoeiro do campo de batalha.
Os decisores militares passaram a estar obesos de informação, mas anoréxicos de conhecimento, porque o volume de informação é tal que a capacidade de seleção e síntese passou a ser exígua.
O dilema coloca-se em saber como fazer uma análise com afastamento do evento, quando o evento não cessa de se reconfigurar. A resposta está na comparação de soluções adotadas noutros conflitos, estudando as respetivas consequências. Porque, tal como também dizia Von Clausewitz: “A guerra é a continuação da política por outros meios”, e o grande dilema da guerra continua a ser “o que fazer com a vitória militar?”
Os veteranos sabem por experiência própria que os novos conflitos se dividem em operações de combate, e operações de apoio à paz. A grande diferença entre estes dois tipos de operação militar está na visibilidade. Enquanto nas operações de combate os militares querem ver sem serem vistos, nas operações de paz quem ver e querem ser vistos.

Nas Operações de Manutenção de Paz das Nações Unidas, onde a decisão política tem de tomar decisões urgentes sem o luxo de amadurecer uma avaliação ponderada, os decisores no terreno são apoiados por Unidades de Assessoria. Cientes que a História tende a repetir-se, os peritos que integram essas Unidades de Assessoria procuram o tal “conhecimento de experiência feito”, identificando as lições aprendidas e as melhores práticas utilizadas em situações análogas, a fim de antever as consequências das várias opções de decisão e modalidades de ação no terreno.
Nunca descorando que os comportamentos do passado são os melhores preditores de desempenhos futuros, as assessorias desses órgãos fazem simulações e debatem soluções, integrando a visão de civis e militares nas suas avaliações. Detalhe curioso é a existência de veteranos de guerra nessas estruturas, quer contratados como civis ou mantendo funções militares. Eles são a memória viva, na primeira pessoa, de situações de alguma forma análogas. Testemunhos da coerência das opções adotadas, e dos resultados obtidos. Os veteranos experienciaram aquilo que não está escrito em relatório nenhum – a sensação de “dejá vu”. A assessoria resultante da integração de estimativas apresentadas pelas novas tecnologias, incorporando a experiência dos veteranos, é uma mais valia para a decisão do escalão superior.
Contrariamente aos famosos reportes de situação (SITREP), onde a qualidade da informação é influenciada perímetro das operações e pelo imediatismo da transmissão, a perspectiva dos veteranos está liberta do aperto claustrofóbico da cápsula do espaço e do tempo.
Os relatórios descrevem as árvores, mas os veteranos interpretam a floresta. Um simples olhar para o mapa pendurado na parede, onde alguém desenhou cuidadosamente a ordem de batalha, possibilita ao veterano identificar o próximo vetor da manobra. Um telefonema para um amigo, que conhece um amigo, preenche os espaços vazios na quadrícula do mapa; porque muitas vezes não importa o que se conhece, mas sim quem se conhece.
Assim como os veteranos não devem de cair na ilusão de que “são eles que sabem como fazer”, também as novas gerações não se devem de considerar como sendo “aqueles que sabem o que fazer”. A solução está na sinergia criada pelo trabalho de equipa intergeracional, onde “em conjunto cada um consegue mais” (Together Each Achives More – TEAM).
Assim, é uma pena ver o desperdício de valências que os veteranos poderiam acrescentar e que não está a ser aproveitada, quer seja na assessoria em resolução de conflitos, ou na retaguarda das operações de soberania, das operações de apoio à paz, de ajuda humanitária, de emergência civil, etc. Apoio às operações, como também à formação das novas gerações de militares; trabalho de voluntariado em museus e hospitais militares; apoio organizado junto das Câmaras Municipais para reforço da Proteção Civil local; em testemunhos vivos no Dia de Defesa Nacional, porque as palavras convencem, mas os exemplos é que arrastam; etc. Os veteranos são ainda particularmente importantes na ajuda e reintegração de outros veteranos na sociedade civil, como por exemplo no combate à síndrome de stress pós-traumático, porque nem sempre é fácil despejar o passado sem vergonhas e inibições a quem se é íntimo, ou a quem não se conhece. Os veteranos formam “aquela irmandade” de quem se é íntimo não sendo, de quem entende e se pode falar sem timidez.
Dir-me-ão que não há originalidade no meu argumento, e que algumas das situações elencadas acima até já são efectuadas. É verdade, e até poderia dar vários exemplos disso, mas são casos isolados e o potencial disponível é muito maior do que é aproveitado. O sentido de servir está fortemente incutido na personalidade da maioria dos veteranos, que se consideram a reserva moral da Nação. Para tanto, bastaria haver “aquele apelo”, a organização e o reconhecimento por parte de quem tem responsabilidades na área.
Quanto aos veteranos, também eles já foram novatos e receberam de outros veteranos o conhecimento que lhes serviu para blindarem o espírito no Teatro de Operações. Essa passagem de conhecimento é uma dívida que não se cobra a pronto de pagamento no campo de batalha, mas paga-se em prestações suaves às novas gerações, passando o conhecimento e a sapiência a que necessita deles.
Assim haja quem os queira receber.












