Na missão da ONU em Angola (1992), uma das preocupações com que me debatia era a segurança física de pessoal e equipamento da ONU no aeródromo de Luena. Devido a que ainda havia algumas escaramuças armadas entre elementos da UNITA e das FAPLA (MPLA), necessitávamos de segurança armada. Desta forma, foi colocado à disposição da ONU um pelotão reduzido das FAPLA. A fim de coordenar a atuação dos militares angolanos, e manter a autoridade, contávamos também com a presença de um capitão das FAPLA, que foi incorporado no ambiente de trabalho do pessoal ONU. Como se pretendia pessoal motivado e em regime permanente no aeródromo, chegámos a um acordo: – A ONU daria cinco rações de combate por dia, e 500 dólar por mês, ao capitão angolano, e ele distribuiria esse apoio material pelos seus homens.
Implementou-se esse regime de imediato e, no quotidiano, reparei que passou a haver muito mais soldadesca às nossas ordens do que o combinado. Provavelmente porque não tinham outras tarefas e nós sempre lhes dávamos qualquer coisa extra que sobrava das nossas próprias rações de combate.
As rações de combate foram a origem de um incidente grave entre os guardas, com consequências fatais. Nós tínhamos rações do modelo antigo português, e rações americanas já do modelo liofilizado. Obviamente que as rações preferidas pelos angolanos eram as portuguesas, porque que continham latas de conserva com chispe, feijoada e sardinhas, assim como bisnagas de leite condensado, rebuçados, etc. Ninguém queria ficar com as rações americanas, que eram do tipo – juntar água; esperar; e comer.


Com a cadência a que estávamos a dar rações aos nossos seguranças, rapidamente se esgotaram as rações portuguesas, e tive de passar a distribuir rações americanas. No dia em que isso ocorreu, gerou-se uma grande discussão sobre quem ficaria com a última ração portuguesa. A discussão acabou com alguém a roubar, á vista de todos, a caixa da ração disputada. O ladrão correu para a zona da pista sendo perseguido de perto pelo sargento do pelotão, que também queria aquela ração. Ambos foram seguidos na corrida por mais alguns camaradas. Ao fim de uns minutos ouviram-se dois tiros. Fiquei apreensivo com o que teria passado, mas o capitão angolano assegurou-me que estaria tudo bem. Passado pouco tempo, alguns dos homens que tinham perseguido o prevaricador regressaram à placa e, com um sorriso sinistro na cara, disseram:
– “Comandante, aquele já não come mais ração portuguesa!”
Nem aquele, nem mais nenhum, porque a partir desse momento só havia rações americanas. Foi uma morte absolutamente desnecessária. A vida humana tem muito pouco valor em zonas de guerra; seja ela em Angola, na Bósnia ou no Afeganistão. Mata-se por muito pouco e sobrevive-se com muita dificuldade … e sorte.

Sem dúvida . A vida Humana tem, infelizmente, diversos valores.
Obrigado pelo testemunho .
Abraço
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Também eu tive oportunidade de ver muita injustiça , 13 meses em Porto Amélia vi muitas vezes coisas que me intristeceram. Ouvi muitas queixas , quando em meus dias livres não parava no quartel ,Tive a honra de ir carregar um Madeiro na minha Scania, onde transportei inúmeras vezes os fuzileiros especiais até macomia. O tal dito madeiro carreado com 6 nativos pretos, quando entrou na serração mereceu palmas,
Também as viagens, às sanzalas com a carrinha na distribuição do pão fresco e recolha de pão velho , e histórias dos locais ,também ficaram bem marcadas na minha passagem por aquelas terras.
Marinheiro condutor Gonçalves.
17578/9181 de setembro de 62
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