Pergunta antes de mijares

Em 1992, após termos recebido, em Luanda, as instruções sobre a missão que era atribuída aos 10 oficiais da FAP que partiram para Angola em apoio às Nações Unidas, distribuíram-nos por 10 aeródromos provinciais no extenso território Angolano. Calhou-me a Província do Moxico com aeródromo em Luena (antigo Luso). No dia seguinte, um avião da ONU fez um longo voo com diferentes destinos, para largar os novos “Oficiais de ligação aérea”.

Quando aterrámos em Luena, e depois de estacionarmos na placa, o piloto cortou os motores e saiu do cockpit, informando-nos que a aeronave iria ser reabastecida. Saí do avião e recolhia a minha bagagem porque era o meu destino. Um carro de reabastecimento aproximou-se a aeronave foi rapidamente reabastecida. Após assinar uns quantos papéis o piloto dirigiu-me a palavra dizendo o que já havia dito aos outros que tinham sido “largados” anteriormente:

– “Aguarde aqui tranquilo que já o virão recolher.”

Ato contínuo fechou a porta do King Air, pôs os motores em marcha, rolou para a pista e descolou. O próximo Capitão da FAP sairia em Saurimo e o último no Cafunfo.

Enquanto esperava na placa por alguém da ONU para me recolher, foram aparecendo algumas crianças que deambulavam por ali. Entretanto, resolvi aliviar a pressão na bexiga e, cumprindo o procedimento aeronáutico mundialmente conhecido para aviadores masculinos, voltei as costas aos hangares; afastei-me das crianças e da área pavimentada da placa; entrei nas bermas, bem para dentro da zona de terra; abri o fecho inferior do fato de voo e urinei. Foi nessa altura que tive a minha primeira experiência de zona de guerra: – Um dos miúdos veio até à berma da zona pavimentada e gritou, gesticulando muito aflito:

– “Sôr, sôr sai daí, mas vem pelo mesmo caminho e sempre em cima das ervas”.

Eu estaria a pouco menos de 20 metros da criança. Compus-me, voltei-me e, sorrindo, perguntei-lhe:

– “Então porquê é que eu tenho de ir sempre por cima das ervas?”

– “Tché?! Porque essas ervas não crescem em cima das minas!” – Respondeu o garoto, estupefacto com a minha ignorância.

Nessa altura o meu sorriso idiota caiu ao chão, e tive outra vez muita vontade de urinar. Eu estava na zona minada de proteção ao aeródromo, a 20 metros da zona pavimentada. De repente, aqueles 20 metros tinham ficado mais distantes do que à vinda. Parecia que os tufos de ervas se tinham afastado entre si no meio da terra avermelhada. Senti um suor frio escorrer pela coluna vertebral e um nó na boca do estomago. Respirei fundo, observei o chão em redor e reconheci as minhas pegadas. Nem toda a gente calcava botas de voo naquele local. Regressei à placa, saltando entre tufos e pegadas, com o corpo encolhido, os dentes cerrados e os olhos meio fechados … supondo que iria doer menos assim, caso pisasse uma mina!?!  

Quando, finalmente, pulei para cima do asfalto, ganhei nova vida. O coração batia descompassadamente e tinha a respiração muito acelerada. Assim que tive a oportunidade, andei a colocar sinais no local, onde escrevi à mão: – “Danger Mines” (Perigo minas).

Publicado por Paulo Gonçalves

Retired Colonel from the Portuguese Air Force

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