Em 1992, enquanto cumpria missão no Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD/UNDP) ao serviço da UNAVEM em Angola para gerir a actividade aérea da ONU na Província de Moxico/Luena, tinha de coordenar as necessidades de transporte aéreo da Comissão Eleitoral do Moxico com a capacidade de meios aéreos que a ONU tinha em Luena. Todos os finais de tarde a Comissão eleitoral providenciava as suas necessidades de voos para o dia seguinte, informando quais eram os destinos no vasto território do Moxico (a maior Província Angolana). Em muitas situações, esses locais não passavam de ajuntamentos de cubatas, os quais nem sequer apareciam nos detalhados mapas que as tripulações disponham. Para resolver essa restrição, havia a necessidade de alguém a bordo a funcionar como intérprete/navegador, questionando os habitantes locais sobre a forma de chegar a essas povoações desconhecidas. O eleito era, obviamente, o (único) Português do team aeronáutico da ONU em Luena.
Um certo dia, num desses voos em busca da “aldeia desconhecida”, voando um helicóptero MI-17 russo, aterrámos numa povoação para perguntar onde ficava uma outra aldeia onde deveríamos deixar material para o dia da votação. Quando estávamos prestes a tocar com as rodas no terreno reparei que os populares gesticulavam muito aflitos, tentando dizer para não aterramos ali. O piloto manobrou para pousar noutro local e, quando finalmente consegui falar com alguém, descobrimos que íamos colocar o pesado helicóptero num campo minado pela guerra. Após recebermos indicações sobre o nosso destino, descolámos de novo e lá encontrámos a povoação.
Aquela comuna era uma significativa congregação de cubatas, feitas de capim seco, barro e paus entrelaçados, e o piloto decidiu fazer uma volta de reconhecimento para escolher um local de aterragem. Após seleccionar o sítio ideal, no centro da aldeia, fizemos uma aproximação baixa, em velocidade reduzida, com o pesado MI-17 a passar sobre os “telhados das casas”. O sítio não era espaçoso, pelo que a tripulação estava muito atenta ao procedimento e ninguém estava a prestar atenção aos arredores. De repente, ficámos envoltos em muita poeira, paus, pilhas de palha, papeis e penas de aves voando em redor do MI-17. O piloto Russo, jovem urbano habituado a coberturas de telha, não levou em consideração o material de construção daquelas habitações e perdeu o contacto visual com o terreno. Aflito com aquele desenvolvimento, o piloto chamou-me através do intercomunicador, perguntando o que estava acontecendo.
Eu limitei-me a responder: ” Check your six” (olha às tuas 6 horas)”

Uma fraseologia aeronáutica da Segunda Guerra Mundial que significa “olha para trás”
Tínhamos destruído tudo à nossa passagem. Podia-se identificar o rumo da nossa aproximação pela quantidade de capoeiras e telhados de colmo destruídos pelo down-wash do rotor do helicóptero.
No chão, a população estava muito irritada, com a gente gesticulando de forma hostil. Nós avaliamos a situação e entendeu-se que não havia nenhuma maneira para aterrar naquele local, sem colocar em risco a segurança da população, e a nossa própria segurança após aterrarmos.
Abortámos a missão e regressámos a Luena. O relatório da missão passou a constar:
“missão abortada por razões de segurança”.
Aquela comuna não votou em 1992.
