Numa Operação de Apoio à Paz, cada um tem um papel a desempenhar, e mais uma série de tarefas extra que todos têm de fazer; como por exemplo, ir buscar água ao rio para os tanques de lavagens. Recordo a primeira vez que o fizemos, no Rio Luena, em Angola, na missão da ONU em 1992. Com a ajuda de um camarada brasileiro carregamos uma carrinha de caixa aberta com uma bomba de água e um depósito com capacidade para três metros cúbicos de água, e partimos em direcção ao rio.
O brasileiro estava há mais tempo na região, pelo que tomou a liderança do evento. Dirigimo-nos a uma zona na margem do Rio Luena que permitia o acesso a carros à beirada água. De imediato iniciamos a extracção do precioso líquido para dentro do tanque, enquanto apreciávamos a paisagem e observávamos os miúdos de uma população próxima a tomar banho no rio.
A alegria da criançada era contagiante e, assim que o tanque encheu, também fomos dar um mergulho.
– “Achas que que é problemático irmos ao banho aqui?” – Perguntei ao brasileiro.
– “As crianças não se parecem queixar de nada; vamos lá?!”
E o brasileiro continuou dizendo:
– “Isto é tudo gente boa. Se você deixar a carteira na margem do rio provavelmente não vai acontecer nada. Contudo … se deixar o sabão, de certeza que não vai lá estar, quando você sair da água.”
A longa guerra civil Angolana tinha dificultado abastecimento de mercadorias para o interior do país, dando-se prioridade aos produtos considerados essenciais. Os artigos não essenciais pagavam-se a preços elevadíssimos. Incompreensivelmente, os artigos de higiene não eram considerados de primeira necessidade, pelo que um bom sabonete era particularmente cobiçado na região. Dizia-se que os mais novos nunca tinham usado um sabonete na vida. Depois de me ensaboar, escondi o sabonete numas ervas da margem e tomei banho de olho posto no capim. Foi um sucesso, repetido várias vezes em locais diferentes do mesmo rio, partilhando sempre as águas com a criançada local.

Meses mais tarde, já em Portugal, soube que num dos locais onde havíamos tomado banho, tinha ocorrido um incidente envolvendo um elemento ao serviço da ONU e um crocodilo. Alegadamente, durante a estação das chuvas, que estava prestes a começar em outubro, o nível das águas aumentou bastante e entrou dentro das tocas onde os crocodilos estavam a hibernar, nas margens dos rios, despertando-os. Nós tínhamos estado a banhar-nos no limite entre as duas épocas, seguindo o exemplo das crianças e adultos locais. O outro indivíduo atuou isoladamente e, quando se estava a ensaboar com o precioso sabonete, terá despertado a curiosidade reptílica de um inclino das margens. O ataque não foi letal, mas o elemento da ONU ficou seriamente ferido.
Consta que, durante o conflito entre Angola e a África do Sul, as forças especiais sul africanas tentaram uma operação de coleta de informações através de infiltração por via fluvial com mergulhadores. As equipas envolvidas estavam a desaparecer misteriosamente; até que um biólogo alertou as autoridades que os crocodilos estavam activos naquela altura do ano.
