Memorial à Força Aérea Portuguesa na Lituânia

Ao longo da História, os portugueses sempre deixaram a sua marca onde quer que tivessem estado no Mundo. É uma coisa cultural, que vem dos tempos dos Descobrimentos, quando deixávamos “padrões” com as cinco quinas esculpidas em colunas de pedra, nos locais de desembarque. Quando não havia “padrões” esculpiam as rochas, mas a marca ficava lá. Foi dessa forma que se descobriram indícios da passagem de portugueses nas costas canadianas antes de Cristóvão Colombo, ou na Austrália muito antes do Capitão James Cook.

Nem sempre essa atitude é uma declaração territorial, mas sim uma simples e orgulhosa expressão de “nós estivemos aqui!

Posto isto, não foi uma surpresa quando, em 2007, o contingente da Força Aérea Portuguesa em Siauliai – Lituânia – decidiu deixar a marca da sua presença, a 3.000 quilómetros de casa, durante a primeira missão de policiamento aéreo dos países bálticos.

Como qualquer outro contingente internacional, os portugueses deixaram várias lembranças dentro da Base Aérea. Já havia, em frente às instalações da esquadra de voo, várias placas indicativas de direção e distância daquele local para os múltiplos sítios de origem dos destacamentos estrangeiros que por ali haviam passado antes da FAP. Porém, eram isso mesmo, placas de madeira, com o formato de uma seta, indicando uma direção e uma distância. Claro que o pessoal da FAP tinha de fazer algo diferente … para melhor. Vai daí: desenharam-se uns F-16 (em jeito de cartoons) numas placas de alumínio; cravaram-se uns rebites para dar “aquela sensação” aeronáutica; pintou-se uma parelha com a tinta do próprio avião e inscreveram-se as distâncias para Monte Real (LPMR – Air Force Base 5) de onde tinham vindo os meios aéreos e Lisboa (LPPT) de onde tinha vindo um número significativo de pessoal de apoio, com as respetivas distâncias e a data. Depois, foi só orientar o conjunto para Sudoeste, e já está!

Para agrado dos Lusos, os destacamentos estrangeiros seguintes copiaram o exemplo e as placas de madeira foram sendo gradualmente substituídas por silhuetas de diferentes tipos de aviões. Deu-se o exemplo!

Mas paredes da (antiga) esquadra de voo, onde anteriores destacamentos tinham pintado os seus emblemas, os militares da FAP deixaram algo bem mais português: um conjunto de azulejos com os emblemas da Esq. 201 e da Esq. 301.

Também boi oferecido ao Comando da Base um quadro maior, em azulejos, retratando o esforço da contribuição portuguesa para aquela missão, uma vez que somos o país europeu mais distante da Lituânia a contribuir com aviões de combate de alta performance, e o CEMFA português ofereceu ao CEMFA lituano um quadro a óleo com um F-16 Luso e as bandeiras dos países bálticos.

Mas isso não foi o suficiente. A marca Lusa tinha de sair da Base Aérea e ser partilhada com a população local. Ainda na fase de aprontamento para a missão, pensou-se no que eventualmente seria “a ponte” entre a Força Aérea Lituana e a Força Aérea Portuguesa; algo que ambas tivessem em comum. A resposta estava pintada nas fuselagens das respetivas aeronaves: ambas usavam insígnias com uma cruz. Foi então decidido que o destacamento português ofereceria uma Cruz – a (sua) Cruz de Cristo – a Siauliai, e que melhor lugar para a fazer senão o “Monte das Cruzes” de Siauliai.

A Cruz de Cristo da FAP – vermelha, vazada e inserida num arco em azul, como manda a nossa heráldica – foi construída no Aeródromo de Transito nº1 (Figo Maduro – Lisboa), por militares e civis em trabalho voluntário fora das horas normais de serviço e usando material desperdício. É feita em metal e pintada com restos da tinta usada no avião Falcon 50. Foi levada para Siauliai a bordo do C-130 que transportava o apoio logístico de combate aos 4 F-16 portugueses destacados naquela Base Aérea.

De forma a não criar constrangimentos, os militares da FAP transmitiram à Força Aérea Lituana a sua vontade de colocar no local a Cruz de Cristo que tinha vindo de Lisboa. Os Lituanos ficaram muito sensibilizados e, qual não foi a surpresa de todos, quando informaram que a colocação da Cruz Portuguesa seria objeto de uma cerimónia oficial, com a presença do Bispo das Forças Armadas Lituanas que iria benzer aquilo a que chamaram a “Cruz dos Templários Portugueses”. O evento foi mediatizado e até previa a passagem de F-16 portugueses, mas a meteorologia impediu a componente aérea da cerimónia.

Posteriormente outros destacamentos Lusos colocaram mais Cruzes de Cristo, havendo até outras forças aéreas a colocar cruzes mesmo sem terem aquele símbolo na sua heráldica. Ou seja – os (nossos) bons exemplos são para serem seguidos!

O “Monte das Cruzes” é um local de peregrinação, localizado a cerca de 15 quilômetros do centro da cidade de Siauliai. Hoje em dia é um local turístico, mas tudo começou como uma expressão de “resistência” à atitude expansionista do Imperio Russo sobre os territórios bálticos. Posteriormente, durante o domínio da União Soviética sobre os Estados Bálticos, a população de Siauliai voltou a colocar cruzes naquele local deserto, numa demonstração dupla antissoviética. Por um lado, contrariavam a postura antirreligiosa soviética, por outro erguiam um memorial aos lituanos deportados para a Sibéria pelas autoridades soviéticas. Durante o dia as autoridades retiravam as cruzes, mas à noite a população colocava novas e seu número aumentava consideravelmente com o passar do tempo. Com o passar do tempo, aquilo que tinha começado como um protesto passou a ser um monumento Nacional, construído pelos próprios visitantes. Hoje em dia, o número de cruzes que os visitantes lá depositam é de tal maneira elevado que, pontualmente, alguns milhares de cruzes têm de ser retiradas sob pena de “afogarem” o local.

Publicado por Paulo Gonçalves

Retired Colonel from the Portuguese Air Force

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