Quando se cumpre uma missão da ONU em teatros de operação distantes, vivem-se situações indeléveis que balizam as nossas memórias. Algumas experiências são mais marcantes do que outras, mas todas dignas de registo.
Recordo uma patrulha no bairro de Ilidza em Sarajevo – 1995 – quando nos cruzamos com um ícone do Cerco a Sarajevo – o Carro Chetnik [radicais sérvios]. Tratava-se de um antigo veículo da ONU, roubado de uma forma violenta dois anos antes. Era uma carrinha Toyota Hilux todo-o-terreno, do tipo misto, com caixa aberta e suspensão elevada. Estava toda pintada em várias tonalidades verdes e castanho, para dar um aspeto camuflado e tapar as anteriores marcas da ONU. Na zona de carga tinha uma série de armações montadas, que indiciavam o uso de uma metralhadora pesada ou de um morteiro. Nas portas do carro estavam pintadas as tradicionais cruzes sérvias com os quatro “C” e, na antena do rádio, flutuava uma flâmula com uma águia bicéfala branca. Tinha ainda uma característica sinistra que tornava aquele carro numa peça única: – sobre o capô to motor estava aparafusada uma caveira real envergando um capacete azul da ONU. Como se fosse o logotipo da marca do carro.

O Carro Chetnik – foto do Contingente Sueco na UNPROFOR 
Aquele carro era uma afronta para toda a ONU, devido à caveira e ao capacete azul, de que se contavam inúmeras estórias lúgubres. Contudo, até então, não tinha havido como forçar os seus utilizadores a retirar o sinistro “trofeu” do capô. Os seus ocupantes eram extremamente agressivos e qualquer abordagem teria de ser feita com o uso da força.
O nosso carro cruzou-se com o carro Chetnik nas ruas enlameadas do bairro sérvio de Sarajevo. O Carro Chetnik estancou imediatamente o seu movimento e, do seu interior, saíram vários homens de meia-idade, com os cabelos desalinhados e longas barbas (característica dos Chetniks), envergando velhos camuflados Jugoslavos e com as suas Kalashnikovs em riste.
A presença de um veículo de Observadores Militares da ONU naquelas paragens não era apreciada pelos combatentes sérvios, os quais fizeram questão de o demonstrar agressivamente. Como continuei a conduzir sem qualquer intenção de reduzir a marcha, os milicianos Sérvios voltaram a embarcar no carro Chetnik e seguiram-nos. Nessa altura decidi apressar a marcha e chegar rapidamente ao checkpoint da ONU que marcava o limite da zona Sérvia de Sarajevo da zona. Os militares franceses que guarneciam aquele checkpoint estavam bem armados e eram um fator dissuasor de peso.
Quando o Carro Chetnik desapareceu do nosso retrovisor, tanto eu como os meus companheiros no carro da ONU suspirámos de alívio. Uma curta mas intensa experiência, que felizmente não passou de um susto.
