Bósnia 95 – “Turismo de Guerra”

Em Agosto de 1995, em plena guerra da Bósnia, assisti a algo que ainda não tinha visto – “Turismo de Guerra”. Tudo começou numa patrulha sobre o Monte Igman (acessos a Sarajevo) quando percorria um trilho que ainda não tinha frequentado. No carro da ONU seguiam também outros dois Observadores Militares (UNMO) e um intérprete. Segundo o intérprete, aquele era o caminho mais rápido para sair de Igman. O piso, em terra batida, era péssimo e estávamos a levantar mais pó que uma tempestade de areia. Nas bermas começaram a surgir trincheiras guarnecidas por soldados do Exército (muçulmano) da Bósnia Herzegovina – ABiH. Para minha admiração, junto às posições de trincheiras estavam algumas carrinhas de venda ambulante. Porém, o que me deixava desconcertado no cenário, era a presença de uma quantidade de civis a tirar fotos aos combatentes. Estupefacto, perguntei o que era aquilo, e alguém dentro do carro respondeu:

– “É uma excursão de “Turismo de Guerra”. A nova moda da Europa!”

– “Turismo de Guerra”?!? Isto parece o intervalo nas filmagens de um épico de Hollywood, onde os atores fazem uma pausa para uma cervejinha e um hotdog.” – Repliquei.

Tradução: “à vossa direita poderão ver uma posição defensiva do ABiH; na próxima paragens haverá uma demonstração de snipers Sérvios”.

Eu estava chocado com os turistas de guerra, mas o nosso camarada Belga, um UNMO veterano dos Balcãs, explicou que aquele conceito era o renascer de algo antigo. De acordo com os seus pergaminhos da História terá sido na Batalha de Waterloo que apareceram os primeiros espectadores a assistir aos combates, de uma forma organizada. Isso fazia com que os Belgas fossem considerados os primeiros turistas de guerra europeus.

Entretanto, as máquinas fotográficas voltaram-se para nós e dois indivíduos, com sotaque holandês, aproximaram-se do carro perguntando como estava a situação em Sarajevo. Coincidentemente, o terceiro UNMO dentro do carro era exactamente Holandês e respondeu-lhes, direto em Flamengo, algo que não vou reportar mas que seria a versão vernácula de:

– “Hó meu … vai bugiar”.

Arrancámos sem estardalhaço e sem repreender os “turistas” para não provocar os soldados, que tinham as armas carregas e estavam a usufruir dos seus 15 minutos de fama. Quem sabe se, ao final daquele dia, alguns daqueles ABiH não terão sobrevivido para contar a história.

Publicado por Paulo Gonçalves

Retired Colonel from the Portuguese Air Force

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