O financiamento dos Taliban

No ano de 2012, quando iniciei uma longa missão para as Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA), fiquei intrigado acerca da “capacidade de tesouraria” dos Taliban para financiar tantas acções político/propagandistas e ofensivas militares. Cada suicida garantia um chorudo pagamento compensatório à sua família, havia salários de inúmeros combatentes para pagar, aquisição de armas e munições, apoio aos campos de treino e o suporte de um extenso Governo-Sombra exilado no Paquistão. Em termos práticos, seria necessário muito dinheiro para pagar todas essas despesas. Cedo descobri que, somente para esse ano, o orçamento dos Taliban para as suas actividades mais prementes era algo nunca inferior a 400 milhões de Dólares Americanos (USD).

O financiamento dos taliban baseava-se em doações feitas por países apoiantes da causa islâmica; doações da diáspora afegã conservadora; extorsão violenta aos homens de negócios; impostos ilegais sobre as populações nas áreas controladas pelos taliban; e à produção/tráfico de estupefacientes. Para além destas verbas, os taliban também conseguiam desviar muito dinheiro dos milhões que eram injetados no Afeganistão pela Comunidade Internacional em projetos de desenvolvimento.

O Governo-Sombra Taliban absorvia cerca de 275 milhões, sendo o restante dinheiro entregue aos comandantes locais para conduzirem as suas atividades no Afeganistão. Estimava-se que as operações dos talibans custariam entre 100 a 155 milhões de USD por ano.

A extorsão de avultadas somas de dinheiro era exercida sobre produtores de ópio, operadores de serviços de telemóvel, construção civil, companhias de exploração mineira, distribuidoras de água e eletricidade, entidades que se dedicavam a projetos de ajuda humanitária e desenvolvimento e até a empresários de companhias de transporte e camionagem que tinham contratos com as forças da NATO – ISAF. Quase tudo o que vinha para o Afeganistão por terra tinha de passar a fronteira com o Paquistão e era aí que os talibans faziam uma boa parte dos seus rendimentos. As verbas que entravam nos cofres do Governo Afegão, vindo da actividade económica nas fronteiras, era uma pequena quantidade quando comparada com as verbas absorvidas pelos Taliban e pela corrupção de funcionários do Estado. Todas as atividades transfronteiriças dependiam de uma boa situação de segurança para continuarem a operar e, mediante pagamento, os talibans não incomodavam as suas vítimas económicas. Chegava-se ao ponto ridículo de, por interposta pessoa, serem próprios taliban a protegerem o transporte de materiais e combustível para os soldados da ISAF, com quem iriam combater no dia seguinte. Se não houvesse pagamento os carros cisternas de combustível ardiam na fronteira do Paquistão e os seus condutores eram chacinados. Se houvesse dinheiro a jihad e o radicalismo religioso eram, momentaneamente, colocados de lado e os transportes chegavam ao seu destino.

No tocante a impostos ilegais sobre a população, havia dois valores distintos, 10% sobre colheitas ou lojas comerciais e 2,5% sobre fortunas pessoais. Quem não alinhasse nos impostos arriscava a ver os seus familiares raptados e ao pagamento de resgates avultados.

O tráfico de estupefacientes rendia entre 155 a 200 milhões de USD por ano, o que incluía impostos sobre os produtores de papoila de ópio, extorsão a traficantes, pagamento de serviços de proteção a laboratórios de heroína e escolta/protecção ao transporte da droga.

A totalidade de dinheiro que era gerada no negócio de estupefacientes no Afeganistão era estimada em cerca de 3,6 a 4 mil milões de USD anualmente. Desta forma, se os taliban “só” lucrassem com isso 200 milhões de USD por ano, … , não estariam a “abusar” muito do sistema.

Publicado por Paulo Gonçalves

Retired Colonel from the Portuguese Air Force

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