No dia 10 de janeiro de 1995, apresentei-me nos portões do Quartel-general das Nações Unidas (UNPROFOR) em Zagreb, a fim de incorporar a Unidade de Observadores Militares (UNMO) que monitorizavam o desenvolvimento do conflito na ex-Jugoslávia. Comigo estava um camarada da Força Aérea Portuguesa, já veterano na missão, que gentilmente acedeu a acompanhar-me no processo de “check-in”.
As instalações da ONU ocupavam um quarteirão inteiro da Cidade, cercadas por muros altos com um aspeto austero. Cá fora, no passeio junto à estrada, os populares tinham construído um muro de tijolos soltos, com cerca de um metro de altura, que quase dava a volta completa às instalações da ONU. Estavam ali milhares de tijolos. Em cada um daqueles tijolos estava escrito o nome de alguém que tinha morrido na guerra, desde 1991. O meu primeiro pensamento foi que se tratava de uma “instalação artística” contra a guerra, mas cedo percebi que era um protesto contra a ONU, por não ter evitado aquelas mortes. A população croata esperava que a UNPROFOR os ajudasse na sua luta contra os sérvios, tendo visto as suas espectativas goradas. A UNPROFOR era imparcial naquele conflito, e não tinha vindo para fazer a Guerra mas sim para manter a Paz. A missão dos capacetes azuis era separar os beligerantes, embora isso não estivesse a funcionar.

Orientado pelo meu camarada, iniciei o check-in da UNPROFOR, apresentando-me no balcão respetivo com um sorriso e uma atitude entusiasta.
– “Bom dia, sou o capitão Paulo Gonçalves, da Força Aérea Portuguesa, acabei de chegar e venho para os Observadores Militares.” – Disse, dirigindo-me à silhueta do outro lado do vidro baço.
– “Português?! …, Paulo Gonçalves?! …, OK, está aqui na lista sim senhor! Bem-vindo à UNPROFOR. Leia este documento, é o seu testamento. Identifique o beneficiário do seu seguro de vida e assine, em triplicado, em baixo. Depois falamos do resto.”
O primeiro procedimento da UNPROFOR era assinar um testamento pré-redigido, declarando a quem deixaria os meus bens e quem viria a receber a “compensação de sangue”, que a ONU pagava em caso de morte ou de ferimento grave.
–”Caramba!” – Exclamei para o veterano Luso que me acompanhava –”ainda não coloquei as malas no chão e já tenho de assinar um testamento?! Um começo encorajador; sem dúvida.”

– “Não te preocupes” – disse o meu camarada, tentado tranquilizar-me –”é um formalismo. Eles fazem-no logo no início do check-in para cobrir qualquer acidente que te possa acontecer desde já.”
O procedimento era tétrico, mas necessário e deveria ser feito logo no início, para cobrir qualquer acidente que pudesse ocorrer. Pena que esse dinheiro tivesse que ser pago a centenas de capacetes azuis porque, embora a UNPROFOR fosse uma missão de apoio à Paz, houve muita gente das Nações Unidas a ficar seriamente ferido durante a missão; mas as mortes em serviço (KIA – killed in action) era o que mais nos afetava.
Desde a sua implementação (início de 1992) até ao seu términus (finais de1995), a UNPROFOR sofreu 213 fatalidades das quais: 198 foram militares dos contingentes internacionais, seis foram oficiais UNMO desarmados, três foram polícias da CIVPOL, outros três foram civis do pessoal internacional da ONU, tendo ainda morrido mais três civis contratados localmente pela ONU.

Tenho uma para a troca!
Um abraço camarada e continua!
Leandro
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