“Roda o cano … não leves a arma!”

Em Sarajevo (1995), havia estórias de guerra que eram autênticas anedotas, difíceis de acreditar. Contudo, os entendidos juravam a pés juntos que eram absolutamente verdadeiras. Uma dessas estórias contava que, no início das confrontações, os Muçulmanos estavam praticamente desarmados, e sem pessoal qualificado no que quer que fosse. Em oposição, os Sérvios tinham todo o apoio do Exército Federal Jugoslavo, não só em armamento, como em pessoal experiente. A solução encontrada pelos Muçulmanos foi recolher a todo o tipo de arranjos menos claros, para tentar equilibrar a sua desvantagem. Consta que quando os Sérvios chegaram o cerco a Sarajevo, uns mafiosos tinham conseguido contrabandear para o lado dos Muçulmanos dois morteiros de 82 mm, com algumas caixas de granadas para os municiar. Deliciados pelo facto de “já terem artilharia”, foi imediatamente selecionado um pequeno grupo de combatentes para operarem aquelas novas armas. Foi-lhes explicada a forma de funcionar dos morteiros, recorrendo a papel e lápis e simulação gestual. Não havia possibilidade de treinarem nem de verem qualquer demonstração prática, porque não havia munições em quantidade suficiente para o efeito.

No dia seguinte à sessão de instrução, um dos militares foi dotado de um par de binóculos e um rádio transmissor portátil e subiu a um local com visibilidade sobre as linhas sérvias. A sua missão era de guiar os disparos que os seus camaradas iriam fazer com um dos morteiros. Deu-se o primeiro disparo e a granada caiu ao lado do alvo. A distância do disparo estava correta, mas a direção estava errada e deveria ser corrigida para a direita. Utilizando o rádio que lhe tinha sido distribuído, o observador informou os artilheiros que o alvo estava 100 metros para a direita daquele disparo inicial; e aguardou por um novo disparo para dar mais correções. Contudo, o segundo disparo demorava bastante a ocorrer. Intrigado com a demora exagerada, o observador decidiu questionar via rádio o que é que se passava.

– “Porque é que não disparam outra vez?”

E recebeu a seguinte resposta:

–“Espera! Já levámos o morteiro 100 metros para a direita, agora estamos a levar as granadas. Estas coisas são pesadas … tens de aguardar!”

Os jovens combatentes muçulmanos eram tão inexperientes, que nem sequer se aperceberam que bastava rodar o cano do morteiro um determinado número de graus para a direita para obter o resultado pretendido.

Se atendermos a que no lado sérvio estavam militares de carreira, reservistas treinados e equipamento do Exército Nacional Jugoslavo, este hilariante episódio é demonstrativo da discrepância que existia. Mas os muçulmanos aprenderam rapidamente a arte da guerra e começaram a ter capacidade de resposta.

Publicado por Paulo Gonçalves

Retired Colonel from the Portuguese Air Force

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